domingo, 17 de junho de 2012

Estudos sobre Urinoterapia II: IMUNONUTRIÇÃO

Álvaro C. A. Braz

Estudos realizados com nitrogênio marcado de constituição inorgânica, particularmente uréia e amônia, vêm evidenciando a incorporação deste a aminoácidos endógenos e microbianos na corrente sanguínea, com conseqüente incremento no aporte protéico do organismo.
Recentes estudos relacionam os aminoácidos glutamina, glicina e arginina a funções metabólicas essenciais dentro do sistema imunológico. E são esses justamente os aminoácidos de maior produção no processo de reciclagem do nitrogênio não-protéico. O que se segue é a descrição do que se sabe até então desses processos dentro da hipótese que une urinoterapia e imunonutrição.
Í N D I C E

IMUNONUTRIÇÃO
INTRODUÇÃO
SÍNTESE ENDÓGENA DE AMINOÁCIDOS
GLUTAMINA
• PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLUTAMINA
- Síntese via incorporação de amônia ao glutamato
- Glutamina: pivô da economia do nitrogênio
• GLUTAMINA E O SISTEMA IMUNOLÓGICO
- Glutamina como substrato específico do sistema imune
- Glutamina e a preservação da barreira intestinal
- Demanda aumentada torna glutamina essencial
- Suplementação clínica de glutamina
ARGININA
• PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA ARGININA
- Síntese de arginina via ciclo da uréia
- Função da arginina na economia metabólica
• ARGININA E O SISTEMA IMUNE
GLICINA
• PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLICINA
- O novo imunonutriente anti-inflamatório
• GLICINA E O SISTEMA IMUNE
- Canais de cloro dependentes de glicina em leucócitos
- Glicina e cancer
CONCLUSÃO
Referências

INTRODUÇÃO

SÍNTESE ENDÓGENA DE AMINOÁCIDOS

Com a reintrodução de quantidades adicionais de uréia e amônia da urina via oral, somadas à amônia proveniente do ciclo endógeno intestinal,[i] grandes quantidades de amônia alcançam a veia portal, onde chegam ao fígado. Este órgão tem um papel central de remoção desta amônia portal, através de duas vias.[ii] A primeira promove a resíntese da uréia e a segunda através da síntese de glutamina. Na verdade,
observa-se não somente um aumento dessas duas substâncias, mas também de vários outros aminoácidos,[iii],[iv] que aqui consideraremos em separado pelas fundamentais e interessantes
particularidades de cada um desses aminoácidos especialmente a arginina, o glutamato/glutamina e a glicina, que dividem entre si importantes papéis dentro do sistema imunológico.

GLUTAMINA - PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLUTAMINA

Síntese via incorporação de amônia ao glutamato

O aminoácido glutamina é sintetizado pelos seres superiores a partir da enzima glutamina sintetase que incorpora amônia ao precussor glutamato, cuja reação é:
L-glutamato + NH3 + ATP Õ L-glutamina + ADP + Pi
A retirada da amônia proveniente dos intestinos é realizada basicamente no fígado,[v], onde os dois principais sistemas detoxificadores estão dispostos anatomicamente um após o outro no ácino hepático. Hepatócitos da zona periportal (próximos da entrada sinusoidal), ricos em glutaminase, são responsáveis pela síntese de uréia através de um sistema de baixa afinidade, mas de alta capacidade. A amônia que daí escapa é capturada, logo à frente, por um sistema metabólico de baixa capacidade, mas de alta afinidade, nos hepatócitos perivenosos (junto à saída sinusoidal), ricos em glutamina sintetase, para síntese de glutamina.
A glutamina sintetase é encontrada juntamente com a glutaminase em quase todos os tecidos, mas em diferentes concentrações,[vi] determinando diversos perfis de captação e liberação de glutamina nos diversos órgãos. (Vide tabela 1).
Os músculos esqueléticos são, por sua massa avantajada, os grandes produtores/doadores, seguidos de pulmões, tecido adiposo, pele, coração e cérebro. Entre os grandes consumidores está a área esplâncnica (intestinos, baço e pâncreas), rins e o sistema imune, por sua intensa reposição celular.[vii]
O fígado, por possuir uma arquitetura metabólica heterogênea ímpar, que contém as duas vias metabólicas,[viii] em dois subgrupos celulares distintos no mesmo ácino, confere a esse órgão um papel regulador único, que produz ou capta glutamina conforme a momento fisiológico.
Tabela 1: qualidades metabólicas dos principais órgãos quanto à glutamina[ix]
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Doadores de glutamina (alta atividade de glutamina sintetase) síntese de glutamina
Músculo esquelético
Pulmões
Tec. adiposo
Regulador de glutamina (alta atividade de glutamina sintetase e glutaminase)
Fígado
Consumidores de glutamina (alta atividade de glutaminase)
Intestinos
Rins
S. Imunológico
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Glutamina: pivô da economia do nitrogênio

A glutamina tem sido classificada há muito tempo como aminoácido não essencial ou nutricionalmente dispensável por ser sintetizada endogenamente de outros aminoácidos e precursores em quantidades adequadas.[x] Mas esta visão da glutamina como nutriente dispensável contradiz sua importância qualitativa e quantitativa no metabolismo dos mamíferos. Além de seu papel como unidade estrutural das proteínas, a glutamina é um aminoácido com propriedades fisiológicas e bioquímicas únicas. É o aminoácido mais abundante do sangue, compondo de 30 a 35% do nitrogênio dos aminoácidos livres do sangue (500-900 µM). Em certas condições a glutamina compõe mais de 80% de todo o nitrogênio aminoácido transportado no sangue.[xi] Como contêm dois grupos nitrogenados prontamente disponíveis, um nitrogênio a-amino e um nitrogênio amida, ela é, quantitativamente, o mais importante carreador não-tóxico de nitrogênio[xii] e de esqueletos de carbono[xiii] entre os diversos órgãos do organismo.[xiv]

Há uma notável diferença no gradiente de concentração entre as membranas plasmáticas de diversos tecidos tal que a glutamina também é o mais importante componente das reservas de aminoácidos intracelulares. No músculo esquelético humano, por exemplo, principal órgão de síntese e armazenamento, onde a concentração da glutamina é 30 vezes a do plasma, ela compõe mais de 60% de toda reserva de aminoácidos livres.[xv] Desde que o músculo estriado contém em média a metade de todos os aminoácidos livres do corpo torna-se aparente a importância quantitativa deste aminoácido, o que faz da glutamina o aminoácido mais abundante de todo o corpo, constituindo mais de 60% de todo o nitrogênio do organismo.
Além de sua importância como carreadora e armazenadora de carbono e nitrogênio, a glutamina tem também importância central em inúmeras vias metabólicas.[xvi] É um precursor essencial para a biossíntese dos ácidos nucléicos[xvii] de todas as células, sendo também o maior substrato da amoniagênese renal[xviii] e intestinal tendo, portanto, um importante papel no equilíbrio ácido-básico.[xix] Tem um papel central no metabolismo dos carboidratos como precussora da síntese de glicogênio,[xx] de proteínas[xxi],[xxii],[xxiii],[xxiv] e na inibição da degradação protéica.[xxv] E tem também importância fundamental como substrato indispensável para as células de rápida proliferação, tais como as células da mucosa intestinal[xxvi] e de muitas outras, como por exemplo, células endoteliais[xxvii] e tubulares renais[xxviii], fibroblastos[xxix], células tumorais[xxx],[xxxi] e as do sistema imunitário.7

GLUTAMINA E O SISTEMA IMUNOLÓGICO

Glutamina como substrato específico do sistema imune

Linfócitos,[xxxii],[xxxiii] macrófagos,[xxxiv] neutrófilos[xxxv] e provavelmente todas as células do sistema imunológico[xxxvi] dependem da glutamina como fonte primária de energia. Evidências recentes demonstram que a taxa de utilização de glutamina por essas células é similar ou mesmo maior que a de glicose e que nenhuma das duas é completamente oxidada totalmente para fonte de energia, sendo ambas quase totalmente utilizadas para síntese de biomoléculas imunoativas e nucleotídeos para replicação celular.[xxxvii] Uma alta taxa de captação de glutamina é característica dessas células proliferativas para síntese dessas moléculas chave, como glutadiona[xxxviii] e ácidos nucléicos, mesmo em condições de quiescência imunológica. Na ausência de glutamina, linfócitos não proliferam in vitro e, por outro lado, a proliferação aumenta bastante com o aumento da concentração da glutamina.[xxxix]
A presença de células tumorais em ratos promove um aumento da atividade da glutaminase em órgãos linfóides e em linfócitos e macrófagos isolados.[xl] A utilização da glutamina também tem sido relacionada com a produção de superóxido e interleucina-1 e -6 por macrófagos[xli] e de interleucina-2 por linfócitos.[xlii] Linfócitos têm grande capacidade proliferativa, além de síntese de imunoglobulinas, enquanto macrófagos e neutrófilos, células terminalmente diferenciadas e com pouca capacidade proliferativa, além da atividade secretória, têm uma grande capacidade fagocítica, requerindo uma elevada taxa de síntese e reposição lipídica[xliii] para adequada manutenção da membrana. Há evidências de que essas células, principalmente os macrófagos, sintetizam lipídios do piruvato oriundo do metabolismo da glutamina.[xliv],[xlv] De fato, há um estudo demonstrando que os lipídios participam ativamente da regulação da função imune.[xlvi]

Recentes estudos in vitro[xlvii],[xlviii],[xlix] e em animais[l],[li] têm demonstrado que a glutamina pode realmente aumentar a função bactericida dos neutrófilos, que são os fagócitos primariamente envolvidos na eliminação das bactérias invasoras, aumentando sua capacidade fagocítica e produtora de metabólitos reativos do oxigênio. Eles capturam as bactérias opsonizadas, as fagocitam e então as destróem com proteínas não-oxidativas em combinação com produtos intermediários reativos do oxigênio, que são o super-óxido (O2-), o peróxido de hidrogênio ou água oxigenada (H2O2) e o hipoclorito (OCl-).[lii] Também a fagocitose mediada por macrófagos é influenciada pela disponibilidade de glutamina;[liii] aumenta a atividade das células NK,[liv] estimula a produção de IgA no intestino,[lv] de interferon-g e do fator de necrose tumoral.[lvi],[lvii]

Glutamina e a preservação da barreira intestinal

Os enterócitos estão entre as células que mais consomem glutamina,[lviii],[lix] devido a rápida proliferação que sua função exige, pois além de ser um órgão de digestão e absorção, os intestinos são uma barreira contra patógenos invasores e moléculas nocivas. O fenômeno das bactérias e suas endotoxinas atravessarem a barreira mucosa intestinal íntegra e invadirem o tecido extraintestinal (nódulos linfáticos mesentéricos, fígado, baço, cavidade peritoneal, sangue e circulação linfática) tem sido chamado de translocação bacteriana.[lx],[lxi] A defesa do trato gastrointestinal parece involver dois componentes.[lxii] O primeiro é uma barreira mecânica e química que inclui um pH ácido no estômago, junções epiteliais apertadas (tight juntions), uma camada de muco que cobre o epitélio e a microflora intestinal indígena. O segundo componente de defesa é o tecido intestinal linfóide (TIL). O processamento de antígenos no TLI é parte de um elaborado sistema que promove a secreção de IgA antígeno-específica para dentro da luz intestinal. É importante frisar que a barreira intestinal funciona em camadas, e mesmo a atividade secretória é um processo que envolve três níveis.[lxiii] (Vide tabela 2).

Tabela 2: Níveis de defesa da barreira intestinal
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Mecanismos imunes inatos locais
Acidez gástrica
Efeito limpante da motilidade intestinal
Eventos digestivos intraluminais
Camada de muco aderida ao epitélio
Junções intercelulares apertadas entre enterócitos
Rápida proliferação dos enterócitos rumo ao lúmem
Mecanismos imunes adaptáveis (Tecido Linfóide Intest.)
Apresentação de antígenos
Respostas dos linfócitos T
Produção das imunoglobulinas secretoras
Mecanismos sistêmicos
Refinamento dos mecanismos imunes adaptáveis
Atividade macrofágica
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Adaptado de Hall et al.9

Por razões ainda não completamente compreendidas, a eficácia da barreira intestinal pode se comprometer como consequência de uma série de agravos locais e sistêmicos. (Vide tabela 3).

Tabela 3: Agravos intestinais associados ao aumento da translocação bacteriana
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Sistêmicos Locais
Subnutrição Radiação
Choque
Quimioterapia
Sepsis
Inflamação
Queimaduras Diarréia
grave
Trauma grave Infecção
Cancer avançado Antibióticos
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Adaptado de Souba et al.[lxiv]

Esses agravos atuam sinergisticamente, levando à atrofia das microvilosidades, aumento da permeabilidade intestinal e da translocação das bactérias luminais e suas toxinas. A invasão por bactérias intestinais provoca uma resposta sistêmica de hipermetabolismo e hipercatabolismo que caracterizam a septicemia e que, se persistente, leva a falência múltipla de órgãos.

Hoje há uma sólida evidência de que a glutamina tem um papel fundamental na manutenção do metabolismo, estrutura e função intestinais. Em modelos animais com enterocolite ficou demonstrado que a suplementação de glutamina prolonga a sobrevivência desses animais e diminui a gravidade da inflamação da mucosa.[lxv] Outros, em modelos animais com enterocolite por irradiação, demonstraram que a glutamina não apenas promove a recomposição da mucosa agredida e diminui a subsequente translocação bacteriana, mas também estimula os linfócitos locais a melhor eliminarem as bactérias dos nódulos linfáticos.[lxvi],[lxvii]
Demanda aumentada torna glutamina essencial

Obviamente, essa demanda por glutamina já alta em quiescência imunológica aumenta inúmeras vezes quando o sistema imune, frente a algum desafio, é ativado. A ativação mitogênica de linfócitos aumenta tanto a atividade da glutaminase quanto a utilização de glutamina.22

De fato, sabe-se que as concentrações plasmáticas e teciduais da glutamina não são apenas altas, mas são também bastante lábeis. Os níveis plasmáticos de glutamina declinam rápida e profundamente no decurso de inúmeros estados catabólicos como cirurgias, queimaduras, sepsis, cancer e outras doenças sistêmicas.[lxviii],[lxix] Durante stress catabólico a concentração intracelular da glutamina pode cair mais de 50% e os níveis plasmáticos mais de 30%,[lxx] tendo sido observado diminuição de até 85% em pacientes com pancreatite necro-hemorrágica,[lxxi] evidenciando que em tais condições a demanda de glutamina pode exceder a capacidade do organismo de sintetizá-la. Essa queda nas concentrações de glutamina é maior do que em qualquer outro aminoácido e corresponde, em geral, com a severidade da doença de base, retornando aos níveis normais, com certa dificuldade, apenas ao final da convalecença.[lxxii]

Foram então descritos, após investigações das bases fisiológicas de tais alterações,[lxxiii],[lxxiv] efeitos anabólicos oriundos do fornecimento de glutamina em modelos animais[lxxv], [lxxvi], [lxxvii] e em humanos.[lxxviii],[lxxix] A partir de então, ficou evidente que a classificação da glutamina como aminoácido não-essencial poderia estar incorreta, resultando, no início da década de 90, na proposta de reclassificação da glutamina como sendo aminoácido condicionalmente essencial.18.[lxxx] De fato, em estados patológicos associados a queda da concentração da glutamina a função imuno-lógica geralmente se encontra deprimida.[lxxxi],[lxxxii]

Suplementação clínica de glutamina

A suplementação de glutamina exógena tem mostrado restaurar os níveis plasmáticos e melhorar a função imune. Num estudo prospectivo, randomizado e duplo-cego, os pacientes imunossuprimidos (por irradiação e quimio-terapia) que receberam glutamina antes do transplante medular tiveram significativamente menos contaminação bacteriana e infecção que o grupo controle,[lxxxiii] o que foi associado a uma mais rápida maturação dos linfócitos T nos que receberam glutamina.[lxxxiv] Num outro estudo em pacientes pós-operados, a resposta proliferativa dos lifócitos T aumentou com a administração de glutamina parenteral.[lxxxv] Ainda com suplementação endo-venosa demonstrou-se melhora na sobrevivência em pacientes graves acompanhados durante 6 meses[lxxxvi] e melhora no balanço nitrogenado pós-operatório, aumento do número dos linfócitos periféricos, aumento da produção de leucotrienos pelos neutrófilos e encurtamento do pós-operatório.[lxxxvii] Outro estudo, desta vez com suplementação enteral, demonstrou que a glutamina reduziu significativamente a incidência de pneumonia, bacteremia e sepsis em pacientes politraumatizados.[lxxxviii]

ARGININA - PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA ARGININA
Síntese de arginina via ciclo da uréia

A arginina é um aminoácido que só se torna dispensável após a fase de crescimento e também é muito utilizado pelo sistema imunológico. Apresenta ainda um papel crucial nos mecanismos de cicatrização e regeneração tecidual.
A principal fonte de arginina nos mamíferos é o ciclo da uréia. Importante circuito de detoxificação, o ciclo da uréia funciona não apenas para facilitar a excreção do nitrogênio via síntese de uréia mas também para aumentar a oferta endógena de arginina.
Função da arginina na economia metabólica

A arginina ocupa um lugar único na nutrição humana devido a sua ampla gama de atividades biológicas. Estudos nos últimos 40 anos têm demonstrado que a arginina detêm importantes funções metabólicas e imunológicas, especialmente durante condições de estresse, como por exemplo, em infecções.[lxxxix],[xc] Estes trabalhos acabaram por trazer a proposição de que a arginina seja, tal como a glutamina, reclassificada como um aminoácido "condicionalmente essencial",[xci] pois apresenta, em condições de hipermetabolismo, demanda maior que a oferta.
A arginina tem um papel central na síntese da uréia e das proteínas, de elementos de alta energia, como a creatina, das poliaminas e do óxido nítrico (NO).[xcii] Quando administrada em doses farmacológicas tem demostrado promover a cicatrização aumentando a produção de colágeno, estimula a secreção hormonal de inúmeras glândulas endócrinas, regula o crescimento de certos tipos tumorais e potencia as respostas celulares do sistema imune.[xciii]

ARGININA E O SISTEMA IMUNE

A sugestão de que o aminoácido arginina teria um efeito imunonutriente aparece na segunda metade da década de setenta quando observa-se sua capacidade imunoestimulatória em animais,[xciv] e que ela tornava-se essencial na dieta para a manutenção do peso corporal, adequado processo de cicatrização e sobrevivência de ratos submetidos a injúria.[xcv],[xcvi] Crescente evidência de que o trauma e outras injúrias, incluindo sepsis, provocavam alterações nas concentrações intra e extra-celulares de certos aminoácidos[xcvii] sugeriram que as necessidades dietéticas de certos aminoácidos poderiam variar nessas condições e que a administração destes aminoácidos poderia modificar favoravelmente as respostas metabólicas e fisiológicas a tais injúrias,[xcviii] provavelmente com envolvimento concomitante do eixo hipotalâmico-hipofisário.[xcix] Desde então a habilidade em reduzir o crescimento e a disseminação de tumores como consequência de efeitos imunoestimulantes torna-se cada vez mais clara em modelos animais[c],[ci],[cii],[ciii] e em humanos.[civ],[cv]

Confirma-se então a ação da arginina ativando linfócitos,[cvi] neutrófilos[cvii] e macrófagos.[cviii]

Duas vias metabólicas foram identificadas como as responsáveis pelas ações imunomodulatórias da arginina. A primeira via é através da enzima arginase, cujo produto final são as poliaminas, fundamentais para replicação do DNA e proliferação celular.[cix] E a segunda via envolve uma família de enzimas conhecidas como NO sintetases, que produzem grandes quantidades de NO.[cx] Apesar de não exatamente elucidado seu papel dentro da imunidade inespecífica, sabe-se que o NO parece inibir a síntese de DNA e consequente divisão das células indesejadas[cxi]. Ele é secretado em altos níveis por macrófagos ativados e neutrófilos, formando em combinação com o oxigênio, intermediários altamente reativos, como o radical hidroxila (OH), o dióxido de nitrogênio (ONOO-) e outros compostos nítricos ou nitrosos, que atuam como agentes endógenos antimicrobianos.[cxii]

Inúmeros estudos clínicos vêm avaliando a eficácia da arginina em intensificar os mecanismos imunológicos durante infecções em queimados,[cxiii] em cancerosos,[cxiv] em imunodeprimidos[cxv] e em operados/traumatizados,[cxvi],[cxvii] constatando-se os melhores resultados no último grupo.

GLICINA - PRODUÇÃO ENDÓGENA E METABOLISMO DA GLICINA
O novo imunonutriente anti-inflamatório

A glicina pode ser produzida através de um intermediário da glicólise, com subsequente conversão do aminoácido serina ou, no fígado, pela ação da enzima glicina sintetase, que incorpora uma molécula de amônia, ajudando na detoxificação desta do organismo. (Rever Lehninger)

A glicina aumenta a sobrevivência de ratos ao choque endotoxêmico.[cxviii] Atua também minimizando as lesões hepáticas induzidas pelo álcool, in vivo, ao diminuir o etanol que atinge o fígado acelerando o primeiro passo do metabolismo deste no estômago[cxix] e melhora a convalecença da hepatite alcoólica[cxx] e a sobrevivência em transplantes hepáticos.[cxxi] Diminui a fibrose causada por drogas experimentais, prevenindo danos hepáticos[cxxii] e a proliferação celular hepática induzida por químicos.[cxxiii]
Nesse sentido, a glicina inibe o crescimento de tumores provocados pelo implante de células de melanoma em modelo animal.[cxxiv] Nos rins reduz a nefrotoxicidade da ciclosporina A[cxxv] e previne a hipóxia e a formação de radicais livres.[cxxvi]

GLICINA E O SISTEMA IMUNE
Canais de cloro dependentes de glicina em leucócitos

A maioria das ações da glicina se devem ao bloqueio do canal de cloro ligado à glicina, recentemente descrito nas células Kupffer[cxxvii] e que parece ser comum a todas as populações de leucócitos.[cxxviii]
Devido a essa ubiquidade do canal de cloro glicina-dependente, a glicina tem sido relacionada a funções imunoregulatórias, que variam de atividades antitumorais a imunossupresivas, sendo sugerido sua aplicação clínica em alguns casos que, de acordo com as evidências experimentais, variam de septicemias a endotoxemias, síndrome do desconforto respiratório a asma e como coadjuvante em transplantes e em casos oncológicos.[cxxix]

Glicina e cancer

Estudo em camundongos com implantação de células tumorais (melanoma B16) evidenciou diferença significativa no crescimento dos tumores. Naqueles alimentados com dieta composta de 5% de glicina e 15% de caseína, contra os 20% de caseína do grupo controle, os tumores pesavam 65% menos, principalmente após 14 dias de acompanhamento, sugerindo que a glicina teria um papel fundamental na inibição da angiogênese e vascularização tumoral. De fato, a glicina inibe o crescimento das células endoteliais in vitro, apoiando a hipótese de que a glicina inibiria o crescimento tumoral in vivo através de mecanismos envolvendo o controle da proliferação endotelial.121, 126

CONCLUSÃO

O metabolismo do nitrogênio dentro do trato gastrointestinal envolve complexos ciclos entre a circulação sistêmica, a mucosa e as reservas intraluminais de proteínas, aminoácidos e outros materiais nitrogenados de origem dietética e endógena.

Interpõe-se a tudo isso a microflora intestinal, com suas reservas microbianas de N e suas próprias necessidades nutricionais satisfeitas através da degradação de substâncias alimentares e endógenas. Dentre os substratos para o crescimento bacteriano inclue-se a uréia, desde que a população bacteriana contenha urease, permitindo que a uréia que adentra o lúmem intestinal seja degradada e forneça N (na forma de amônia) para a síntese microbiana de aminoácidos e de proteínas, ou para síntese endógena de amino-ácidos. Mas, apesar de se saber que essa reciclagem influência a composição dos aminoácidos e portanto a qualidade da proteína disponível para atender as diversas exigências nutricionais, não se sabe exatamente qual a real contribuição nutricional que para o organismo hospedeiro teria o reaproveitamento desse N inorgânico,[cxxx] ainda mais ao considerar-se a ingestão de quantidades extras advindas da urina.

Em pessoas com uma dieta normal, aproximadamente três quartos da uréia produzida é excretada na urina. O outro quarto adentra o aparelho digestivo através das secreções fisiológicas e sofre hidrólise pela microflora intestinal, com o nitrogênio sendo disponibilizado para posterior interação metabólica.[cxxxi] Entretanto, como acontece grande variabilidade interindividual dentro do metabolismo protéico, o mesmo se encontra à respeito da cinética da uréia, considerando-se, em geral, um coeficiente de variação de ≈ 35% para a produção e a excreção da uréia.[cxxxii] Com relação à quantificação dos aminoácidos produzidos à partir dessa fração retida do N inorgânico (≈ 25%), os poucos trabalhos existentes apontam, interes-santemente, para uma maior produção de glutamina (≈ 48%) e arginina (≈ 40%), e logo a seguir glicina (≈ 4%).3,4 Esses dados sobre síntese e a importância metabólica desses aminoácidos formados à partir de algumas das mais abundantes substâncias nitrogenadas não-protéicas da urina (uréia e amônia), explicariam algumas respostas favoráveis da urina via oral observadas em nossa prática médica como a uma significativa melhora da função imune.

Uma primeira observação prática que se faz é que a urina seguinte àquela que foi ingerida contém menos uréia que a urina que foi ingerida pois ela sai menos concentrada. E daí por diante até chegarmos, após algumas reingestões, a uma urina clara e completamente inodora, ou seja, sem solutos.

Esses dados nos dispõem que há uma retenção dos sólidos da urina, e obviamente o fazemos, somente porque temos uma flora intestinal com o aparato enzimático certo.

Outro dado significativo diz respeito ao grande bem-estar que advém da prática de se reaproveitar a urina. Se fosse atividade danosa ao corpo ou atentado contra a própria saúde, deveríamos apresentar quadros intoxicativos progressivos - uremia. Mas o que vemos é o contrário. Ocorre melhora do ânimo e do humor, sensível melhora da qualidade do sono e melhor resistência imunológica, por prontas respostas a inúmeras doenças, de infecções a quadros degenerativos.

Mas, infelizmente, não temos tido condições, ainda, de aprofundar, através de um protocolo de pesquisa próprio, tão importantes conjecturas. Um ensaio duplo cego randomizado, muito provavelmente, já podemos descartar, pois um placebo que imite identicamente o sabor característico e complexo da urina estaria fora de cogitação. Esperamos, em futuro não muito distante, poder apresentar dados clínicos ordenados que melhor disponham sobre o que temos dito da urinoterapia. Com certeza, há muito para se fazer.

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